Produção: Alana de Bairros | Supervisão: Eliane Taffarel
Idosos na pandemia: novas experiências para quem já tem muitas
O vírus não escolhe idade, etnia ou classe social. Entretanto, não se pode negar a importância de intensificar os cuidados com a parcela da população mais suscetível aos efeitos da Covid-19, os chamados grupos de riscos. Entre eles, estão as gestantes, puérperas, hipertensos, diabéticos, portadores de doenças crônicas e um grupo que corresponde a 14,6% da população no Brasil: os idosos. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, aproximadamente 30,3 milhões de pessoas tinham 60 anos ou mais em 2017 no país.
Não apenas vulneráveis ao novo coronavírus, muitos idosos ficam também expostos aos efeitos do distanciamento social. Apesar de necessário para frear o contágio da doença, o isolamento originou barreiras a serem enfrentadas, como a falta de lazer, de interação e convívio com familiares e amigos. Neste período em que a recomendação é evitar contato físico, “estar junto” ganhou outros significados. Maurília Agnes, por exemplo, comemorou o aniversário de 88 anos, no dia 5 de agosto, de uma maneira fora do habitual: menos visitas e mais ligações telefônicas.
A oitava de 13 irmãos, relembra as histórias que sua mãe contava sobre a pandemia de gripe espanhola e o surgimento de outras graves doenças, como a febre amarela, o sarampo e a varicela. “A principal diferença é que antigamente as doenças eram tratadas principalmente com chás de ervas, porque demorava um dia inteiro para chegar na farmácia a cavalo. O soro daquela época, que meus pais davam pra gente, era o caldo que eles ferviam o frango com sal para manter a pressão boa”, conta.
Com a pandemia e o aumento dos casos no pequeno município em que mora com uma das filhas, em Quilombo-SC, dona Maurília relata a monotonia do dia a dia.
“Antes eu costumava ir nas vizinhas passear e visitava meus filhos que moram em outras cidades, agora eu quase não saio de casa. Só na igreja que eu não deixo de ir, enquanto eu não participo do culto no domingo eu não sossego.”
Com a máscara e a bengala, faz sua prece na igreja que frequenta, respeitando a distância entre as pessoas e com as demais medidas de segurança. Mãe de cinco mulheres e três homens, recebe algumas visitas para matar a saudade, mas é pelo celular que mantém contato frequente com filhos, netos, bisnetos e irmãs. “Às vezes converso com três ou quatro num dia, daí no dia seguinte os outros telefonam”, menciona.
No cotidiano, sua distração é a bisneta, Manoella, de dois anos, que tem o prazer de conviver com a bisavó. “A gente brinca juntas. Ela pede pra eu fazer injeção nas bonecas dela e ajudar a cuidar”, comenta. “Fora isso, eu faço algum serviço de casa que consigo. Lavo e seco louças, assisto televisão e escuto rádio”, complementa. Depois de tanto tempo sem passear, dona Maurília já faz planos para quando puder realizar visitas. “Quero ir no meu filho mais velho que mora em Abelardo Luz-SC e na minha filha de Coronel Martins-SC. O primeiro que vier me buscar eu to indo”, destaca.
Apesar da consciência sobre os riscos devido à idade, dona Maurília diz não ter medo de adoecer e tem a fé como escudo nesse período de riscos e incertezas. “Eu peço pra Deus cuidar de mim e da minha família e sei que ele responde minhas preces. De manhã e de noite eu faço minhas orações e graças a Deus eu deito e durmo tranquila sabendo que ele toma conta de todos nós”, conclui.
Altemiro Roieski, conhecido como seu Miro, também compartilha desta fé para passar por esse momento de inseguranças. Apesar de seus 65 anos, continua trabalhando na empresa onde atua como marceneiro desde 2005, em Coronel Freitas-SC. Durante as oito horas diárias de trabalho, há grande demanda de serviços. “Lá as funções são diversas. Trabalho com madeira, ferro, furadeira, solda e faço o que tem que fazer”, conta. Para a segurança dos 14 funcionários, a empresa adotou medidas básicas de proteção, como as máscaras e o álcool em gel. “Nós recebemos caminhoneiros de diversos lugares, então mantemos o distanciamento e evitamos ter contato com muitas pessoas”, ressalta.
Apesar de fazer parte do grupo de risco, seu Altemiro afirma que deixar de trabalhar e ficar em casa seria muito difícil. “Me sinto com a saúde de vinte anos atrás, então não fico inseguro em continuar trabalhando. Pode ser que eu esteja em risco, mas a gente tem que continuar a vida aos poucos”, completa. O que mais sentiu diferenças foi no lazer dos fins de semana. “Não saio mais para visitar muita gente como era antes. Também não vou mais nas lojas, só no mercado de vez em quando”, relata.
Neste cenário, as plataformas digitais são grandes aliadas para o entretenimento, além de propiciar o contato com os filhos, netos e amigos. “Agora passo mais tempo na frente da TV, assisto futebol, notícias, novelas e programas de animais selvagens”, comenta. Além disso, Altemiro se dedica à outra atividade: o quintal produtivo que cultiva junto com sua esposa, que além de ocupar o tempo ocioso, leva saúde para a mesa do casal, em uma variedade de hortaliças e legumes, como batatas, cenoura, alface, beterraba, milho, mandioca, temperos e chás.
Altemiro ainda menciona as expectativas de que a pandemia seja superada. “Rezo pra que a gente fique livre disso logo pra poder estar em segurança. Quero visitar, ir nas festas, dançar com os idosos de tarde, ir nas praias e viver a vida normal”. Apesar disso, complementa:
“Os reflexos dessa pandemia ainda vão longe. Todo mundo vai precisar de um recomeço e para recomeçar leva tempo.”
Em um cenário em que o Ministério da Saúde alerta para a taxa de suicídio entre idosos, que chega a 8,9 mortes a cada 100 mil, enquanto a média nacional é de 5,5, e a depressão atinge 11% das pessoas de 60 a 64 anos, é necessário que este recomeço desperte para a empatia coletiva, de proteção e acolhimento aos mais vulneráveis. Somado a isso, que a sociedade possa evoluir para garantir o fortalecimento da liberdade e do protagonismo da população idosa, que sente os sintomas da desvalorização e negligências cotidianas.