Produção: Alana de Bairros | Supervisão: Eliane Taffarel
Estudantes na pandemia: incertezas, desafios e adaptações ao ensino remoto
A educação foi uma das principais áreas afetadas pela pandemia do novo coronavírus. Além dos educadores, estudantes de todo o país precisaram se adequar à migração para o ensino remoto, com aulas on-line, por questões de segurança. Neste contexto, os desafios da adaptação ao novo modelo de ensino, aliados à preocupação com a queda no aproveitamento do conteúdo podem influenciar no rendimento e na saúde mental dos estudantes, da educação básica até a pós-graduação.
André Rogério Mior, de 17 anos, está no terceiro ano do ensino médio, e antes da pandemia, conciliava o trabalho em turno integral com as aulas noturnas, das 18h30 às 22h30. “Era um pouco cansativo, mas eu já estava acostumado com o ritmo”, conta. Agora, com as aulas presenciais suspensas, manter uma rotina de estudos tem sido um novo desafio.
Na turma de 32 alunos do “terceirão” da Escola de Educação Básica Coronel Lara Ribas de Chapecó (SC), da qual André faz parte, as expectativas eram de um ano de profunda preparação para o vestibular. Entretanto, as circunstâncias foram bem diferentes do planejado e quase cinco meses depois do cancelamento das atividades presenciais, a comunidade escolar ainda passa por adaptação na aprendizagem remota. “Ninguém estava preparado para isso. Com os exercícios on-line a gente fica distante da explicação do professor, por isso absorver o conteúdo tem sido muito mais difícil”, ressalta.
No caso de André, as maiores dificuldades são nas disciplinas de biologia e química, porém, mesmo nas matérias que sempre teve facilidade, viu suas notas diminuírem. “O contato com os professores realmente faz muita falta para a qualidade do ensino”, complementa. Para não acumular as demandas, busca desenvolver pelo menos uma atividade todas as noites, e segundo ele, a organização é fundamental para conseguir o tempo necessário para se aprofundar nos conteúdos. “Só ler o material enviado pelos professores acaba sendo cansativo, então busco vídeos no Youtube e demais explicações para fixar o assunto”, destaca.
Para o próximo ano, os planos incluem ingressar no ensino superior e cursar Ciências Contábeis. Porém, tem sido inevitável não se sentir inseguro na realidade atual.
“Acredito que a preparação da sala de aula vai fazer muita falta para o vestibular, pois o terceirão é o ano em que os professores focam muito nisso, são feitos grupos de estudo e agora não temos mais essa possibilidade.”
Por isso, é preciso inovar nas alternativas. “Busco assistir aulas e lives voltadas ao vestibular, além de acompanhar links e notícias sobre isso”, conclui.
As incertezas não atingem apenas alunos de ensino médio. Pelo contrário, são presentes especialmente na realidade acadêmica, entre estudantes de graduação. Vanessa Tamirys Merlo, por exemplo, viu seu semestre tomar um rumo totalmente diferente. Acadêmica do 8º período de Odontologia no Centro Universitário Unisep, de Francisco Beltrão (PR), iniciou a 7º fase do curso, em fevereiro, com cinco disciplinas práticas na matrícula. “Na sequência de toda aula teórica, nós íamos para os laboratórios praticar o que havíamos aprendido. Além disso, duas vezes por semana tinha atendimento aos pacientes, em que a gente desenvolvia tudo que aprendeu desde o início do curso”, comenta.
Com o decreto estadual que suspendeu as aulas presenciais, a dinâmica de ensino mudou. A Instituição aderiu as aulas remotas, com conteúdo teórico, e as práticas foram adiadas. “No início eu gostava da facilidade de estar em casa e assistir as videoconferências, mas com o passar dos meses percebi que não tinha rendimento. Perdi minha rotina, qualquer coisa me tirava o foco e as demandas ficavam sempre para depois”, relata.
Neste contexto, o principal obstáculo é entender os conteúdos sem a experiência prática. “Teve uma matéria que não conseguimos ter noção de fato, pois não tivemos a teoria sendo conciliada com a prática, e no curso de Odonto a gente fixa o conteúdo de verdade quando fazemos nós mesmos”, esclarece. Por isso, no início de julho, a Instituição retornou com as aulas laboratoriais de forma presencial, entretanto, em duas semanas houve um novo cancelamento devido ao aumento no número de infectados por Covid-19 no município e em toda região Sudoeste do Paraná.
Vanessa encerrou o primeiro semestre do ano com aproximadamente 200 horas de aulas práticas para repor quando o Centro Universitário retornar com o atendimento aos pacientes. Neste segundo semestre, as aulas laboratoriais serão realizadas de maneira presencial e as teóricas seguirão no formato remoto. Segundo a Instituição, os estudantes não atrasarão suas formações e nem mesmo serão prejudicados por perderem aulas, pois tudo será reposto quando a normalidade se estabelecer. Apesar disso, Vanessa menciona a queda no rendimento e a preocupação quanto ao tempo sem praticar.
“Por ser a reta final, os últimos dois anos são o período que mais tem atendimento clínico e aulas práticas, porque é quando a gente pega a “mão de dentista”. Agora estamos há quase seis meses sem atender nenhum paciente, parece que quando voltarmos vai ser a primeira vez de novo.”
Além da realidade dos alunos que mantiveram as aulas on-line, e por isso, seguem com a mesmo previsão de conclusão do curso, outros terão a formação adiada, como é o caso de Maurício Klemann, estudante de Agronomia da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) de Chapecó (SC). Cursando a 9ª fase, penúltimo período da graduação, Maurício relembra a escolha pela profissão, que se deu em razão do contato com a natureza.
Atualmente, ocupa o cargo de Presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e Representante Discente no Conselho Universitário, o que o mantém atuante nas discussões deste momento atípico no campus. “A UFFS suspendeu as atividades letivas presenciais e deu autonomia para cada curso, junto aos seus docentes e estudantes, decidir sobre a realização ou não das aulas on-line”, explica.
Devido a realidade de muitos acadêmicos que não têm acesso adequado à internet, e por isso, ficam limitados para participar de videoconferências, além da discussão que existe sobre a baixa qualidade da aprendizagem remota, o calendário acadêmico está suspenso.
“Nossa universidade defende muito a qualidade do ensino, pois de forma presencial se constrói o conhecimento crítico e a consciência dos estudantes, e é exatamente isso que a gente precisa, principalmente quando temos em mente um projeto de país em que as pessoas estejam conscientes das suas ações. Por isso, quando fui consultado pelo colegiado do meu curso, não aceitei as aulas on-line.”
Desta maneira, as disciplinas estão estacionadas. Quando as atividades letivas retornarem de forma presencial, Maurício segue com as mesmas matérias que cursava em 16 de março, antes do cancelamento das aulas. No atual cenário, o consenso sobre a retomada das atividades não têm sido possível entre a comunidade acadêmica. “Percebo dois movimentos entre os estudantes: aqueles que querem o retorno das aulas, mesmo de forma remota, e outros que defendem que as atividades devem permanecer suspensas até que haja segurança para voltarmos de maneira presencial”, destaca.
Para o segundo semestre do ano, a Universidade está desenvolvendo um protocolo de biossegurança e diretrizes institucionais, em que se propõe um semestre especial com a retomada gradual das atividades. Apesar dos contratempos deste período de pandemia, Maurício não tem frustrações quanto ao atraso na conclusão do curso, que estava planejada para dezembro. “Particularmente, não me sinto perdendo esse tempo, pois continuo estudando e buscando informações em bons vídeos e filmes. Além disso, estou aprendendo a lidar comigo mesmo, me redescobrindo como cidadão, indivíduo e agente de transformação na sociedade”, finaliza.