Produção: Alana de Bairros | Supervisão: Eliane Taffarel
Saúde e sustento: as preocupações dos trabalhadores na pandemia
Muitas são as incertezas originadas pela pandemia do novo coronavírus. Inseguranças quanto ao futuro, a saúde e a vida financeira preocupam grande parte das pessoas neste período. No âmbito profissional não é diferente. Trabalhadores das mais diversas áreas sentiram as mudanças significativas causadas neste contexto que modificou as formas e relações de trabalho.
Seja no comércio ou nos serviços essenciais, os reflexos do “novo normal” são evidentes. Grandes e pequenas empresas se adequaram às recomendações para enfrentar este período. Para alguns trabalhadores, a redução de carga horária é uma realidade. Outros, porém, enfrentam a jornada de trabalho muito mais exaustiva, como é o caso dos professores, que em rede pública ou privada, reinventam seu trabalho para continuar auxiliando na formação humana. Camila Pelegrini, que atua na educação pública desde 2012 ministrando a disciplina de Sociologia, relata sobre a tripla jornada que os professores estão encarando nas atividades remotas.
“Ser professora já é um desafio. Ser professora na pandemia é outro.”
Camila formou-se na primeira turma de Ciências Sociais da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e relembra: a escolha pela profissão foi um despertar, decorrente da vontade de contribuir na vida das pessoas por meio do conhecimento, e assim, romper com o senso comum. Atualmente, trabalha na Escola de Educação Básica Antonio Morandini, em Chapecó-SC, e na Escola de Educação Básica Doutor Serafin Enoss Bertaso, de Nova Itaberaba-SC.
Neste cenário de pandemia, após uma semana de capacitação, os professores começaram a planejar as atividades on-line. “Temos três sistemas para atualizar e provar que estamos trabalhando, então a gente não sai da frente do computador. É para planejar exercícios, postar, corrigir, fazer devolutivas, participar de reuniões e formações e atender os alunos. A sobrecarga triplicou”, explica. Com os estudantes que não têm acesso à internet, a dinâmica de ensino precisa ser diferente. Para estes, os professores adaptam as atividades, entregam impressas e buscam na escola para correção.
Além disso, novas funções e demandas surgem com o passar das semanas. Para atender o total de 395 alunos aos quais ministra aulas, Camila disponibilizou o chat da plataforma, e-mail e whatsapp. As notificações não têm hora para chegar: meio-dia, dez da noite ou 1h da madrugada o celular apita com “oi profe”. Em meio a isso tudo, Camila também é estudante do Mestrado em Educação, e por vezes, vê as obrigações acumularem. “O que mais nos entristece é que aumentam as demandas burocráticas, mas não aumenta o retorno dos alunos. Muitos trabalhos voltam em branco ou com qualidade extremamente baixa. Não está se falando em eficácia na aprendizagem, estamos atuando com tarefismo”, completa.
Apesar dos planejamentos e esforços para que o ensino seja satisfatório, Camila salienta que vem crítica de todo lado. Do próprio aluno, que reclama da quantidade de atividades. Da sociedade civil, por parte dos pais, que não conseguem auxiliar no ensino em casa, e por parte do Estado, que acha que o professor não está fazendo nada. “O resultado disso tudo será muitos professores doentes, pela tripla jornada de trabalho, acúmulo de tarefas, e também, por não verem seu trabalho tendo resultados eficientes”, esclarece.
Camila explica, ainda, que na sala de aula, o desafio era fazer os alunos interagirem. Agora, no ambiente digital, é necessário buscá-los e fazê-los estar ali. “Antes eles tinham que pular o muro e fugir da escola. Hoje basta eles desabilitarem as câmeras e microfones”, relata.
“Esse novo modelo, além de silenciar os alunos, é um modelo que segrega e desiguala. Acredito que a pandemia veio para escancarar as desigualdades, e na volta das aulas presenciais, não tenho dúvidas que será o momento de repensar a educação. Esse é o caminho e eu acredito nele.”
Para além da realidade dos trabalhadores que puderam se adequar ao home office para cumprir as demandas, muitos serviços não podem dispensar a realização presencial. Nos frigoríficos, por exemplo, apesar do grande potencial de disseminação do vírus pela quantidade de trabalhadores, a produção não para, e a partir dela, milhares de famílias são sustentadas no país. É o que relata Carlos*, trabalhador da Aurora Alimentos de Quilombo-SC há sete anos. Carlos coordena um setor com cerca de cem pessoas, das quais quinze já foram afastadas devido aos sintomas, e uma delas testou positivo para o novo coronavírus.
A unidade tem mais de 1.500 funcionários e diversas adequações foram estabelecidas com o intuito de frear o contágio do vírus. Trabalhadores com mais de 60 anos, gestantes, portadores de doenças crônicas ou deficiência intelectual foram afastados por tempo indeterminado. Em alguns setores, assim como nos refeitórios e áreas de lazer, é obrigatório manter o distanciamento de 1,5 metro. Nos locais onde a distância não pode ser respeitada, os funcionários são separados por divisórias de acrílico. A empresa disponibiliza álcool em gel e máscaras, que são trocadas a cada duas horas.
Além disso, todas as pessoas passam por aferição de temperatura na entrada, e caso sintam qualquer sintoma da doença, são afastadas do trabalho por 14 dias ou até que apresentem o resultado negativo para Covid-19, sem descontos no salário ou benefícios. O que se presencia, entretanto, é o desrespeito a algumas regras. Carlos é responsável por fazer duas rondas por dia para assegurar que as indicações de segurança estejam sendo seguidas. Na primeira vez que se identifica desrespeito às regras, os trabalhadores são orientados. Depois, medidas disciplinares são aplicadas, como advertência ou suspensão.
“No geral, dá para perceber que as pessoas lá dentro se acostumaram com a situação e não estão em alerta como deveriam estar. Ao invés disso, agem normalmente.”
Com uma grande baixa no número de trabalhadores, a jornada de trabalho se torna mais desafiadora e cansativa. “Apesar de menos funcionários na linha de produção, o número de aves abatidas por dia não diminuiu. O que foi diminuído é o aproveitamento, ou seja, estamos priorizando alguns itens de produção, e outros são descartados”, explica.
Carlos, que passa aproximadamente dez horas diárias no frigorífico, destaca a preocupação em trazer a doença para casa. “Não temo que isso vá me causar um mal maior, mas tenho medo pelas pessoas próximas a mim, como meu filho, que ainda é pequeno, e meu pai hipertenso”, conclui. Apesar do receio e incertezas que a situação ocasiona, é com o trabalho constante que o alimento chega à mesa da família.
Outro cenário complicado reflete os impactos do atual momento: o desemprego. Com a demissão de funcionários e falência de empresas em razão da pandemia, o Brasil registrou cerca de 1 milhão de pessoas que perderam o emprego apenas durante o mês de maio, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outros, ainda, durante o mês seguinte, como é o caso de Willian Dias Fortunato, de Chapecó-SC, que trabalhava como operador e soldador há um ano.
Dia 12 de junho seria mais um dia comum no trabalho, que se iniciava às 15h38 até 1h da madrugada, porém Willian recebeu a notícia de sua demissão e de outros sete colegas. Nas semanas seguintes, diversos outros funcionários da empresa perderam o emprego.
“De uma hora para outra, sem justificativas, fomos avisados que seríamos desligados da empresa. E aí começou a luta por conseguir nossos direitos. Junto ao sindicato, organizamos um protesto em frente ao estabelecimento para que fosse depositado o FGTS e a multa rescisória.”
Os impactos do desemprego desestabilizaram o sustento da família. Casado e pai de duas crianças, Willian ficou com o aluguel atrasado e precisou vender a máquina de lavar para comprar mantimentos. “Enquanto a empresa não se preocupava em pagar a gente, eu não tinha nem como sair de casa para procurar emprego, porque dependia desse sustento” esclarece. A alternativa para o momento, segundo ele, é abrir o próprio negócio. “Vou correr atrás e tentar trabalhar por conta mesmo”, finaliza.
Com os índices de desemprego disparados no Brasil, que apontaram 12,7 milhões de desempregados até maio deste ano, a sensação de instabilidade no trabalho assola milhares de pessoas. Nas atuais circunstâncias, a saúde física dos trabalhadores é afetada pela sobrecarga de funções e exaustiva jornada de trabalho, enquanto o bem-estar e equilíbrio psicológico é prejudicado pelas preocupações em manter a saúde e o sustento, aliadas à insegurança quanto ao cenário pós-pandemia.
*Nome fictício.
Parabéns pela reportagem! Texto sensível e envolvente. Nos traz importantes reflexões ao compreendermos os reflexos da pandemia em diferentes cenários.