Série de Reportagens – Capítulo 1

Série de Reportagens – Capítulo 1

Produção: Alana de Bairros | Supervisão: Eliane Taffarel

Em meio às comemorações do novo ano que se iniciava, muitos faziam planos e traçavam novos hábitos e metas. Outros, colocavam os 366 dias que estavam por vir nas mãos do destino, de Deus ou de demais forças divinas. Agradecimentos, promessas e expectativas marcavam o ritual de virada de ano que faz parte da vida de muitas pessoas. O que ninguém imaginava, naquela quarta-feira que abriu o ano de 2020, é que seria um ano caracterizado principalmente por mudanças, incertezas e perdas.

A pandemia de Covid-19 assolou o mundo inteiro e causou impactos em todas as esferas sociais. De repente, foi preciso se adequar às diversas recomendações e modificações que o momento exigia, e hábitos que pareciam tão distantes da nossa realidade viraram rotina, pela segurança de si próprio e dos demais. Os modos de produzir, vender e aprender foram transformados. Com as consequências da pandemia, foi necessário repensar conceitos e práticas, e a nova realidade revelou características sobre nós mesmos, sobre o próximo e a sociedade como um todo. 

Facilmente será possível distinguir o mundo pré e pós-pandemia, que modificou as formas de trabalho, de estudo, de lazer e de relacionamentos interpessoais. É sobre isso que trata a série de reportagens Faces e Reflexos, com o objetivo de retratar os mais diversos reflexos da pandemia na sociedade, através de faces, que com as particularidades de suas histórias, podem representar uma realidade vasta e plural.

Mães na pandemia: novas rotinas, novos desafios

Maternidade. Substantivo feminino, laço que liga a mãe aos filhos. Laço este que carrega muitos estigmas enraizados na sociedade e que, muitas vezes, romantizam a maternidade sem refletir sobre o desafio diário que é ser mãe. Falar sobre o tema é falar de carinho, afeto, proteção, doação e superações, mas além disso, é falar sobre adversidades. As dificuldades da maternidade, que já sobrecarregavam muitas mulheres, foram agravadas pelo cenário da pandemia. Mães em diversos contextos sociais se reinventam para dar conta das responsabilidades com os filhos, aliadas as tarefas do trabalho e da casa, como é o caso de Juliana Giongo, que adequou o home office com a filha de quatro anos, Cecília, carinhosamente chamada de Ceci. 

Juliana é jornalista, mestre em Educação e atua como coordenadora da TV Uno, emissora da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), onde também é professora. Antes da pandemia, ela e a filha tinham uma rotina bem organizada: Ceci ficava na escola em tempo integral, enquanto a mãe trabalhava na Universidade. Na quarta-feira, 18 de março, último dia que trabalhou de forma presencial, Juli não imaginava que o trabalho remoto duraria tanto tempo. “Por mais que o home office já existisse em alguns espaços, era algo muito distante da minha realidade. Nunca tínhamos pensado em fazer a distância o que fazíamos presencialmente”, explica. 

Nos primeiros dias em isolamento social com a filha, relata que uma mistura de medo, ansiedade e insegurança tomou conta. Mãe solo, aos poucos foi entendendo as maneiras de conciliar o trabalho e os cuidados com Ceci. Nas noites de aula e nos momentos de gravações, a saída é chamar a babá. Entretanto, equilibrar a vida financeira também é um desafio com essa realidade. “Pagar a mensalidade da escola e mais alguém para cuidar da filha era algo que não estava previsto no orçamento”, comenta. 

Ceci, com toda a disposição que é característica de sua idade, fazia balé e natação para gastar energia, além de todas as atividades de recreação na escola. Na quarentena, apenas em casa, a falta de lazer é uma das adversidades que ambas enfrentam juntas. Apesar de ter entendido que o coronavírus é mau, isso não impede Ceci de pedir para ir à pracinha, andar de bicicleta e passear. “Teve um dia que choveu e ela queria sair, então colocamos botas, máscaras, casacos, pegamos um guarda-chuva cada uma e fomos caminhar na chuva, porque era a única coisa que dava para fazer naquele momento”, relata.

Quando a saudade aperta, as videochamadas com os primos, avós e familiares deixam o coração quentinho. No dia a dia, Ceci inventa diversas atividades para passar o tempo em isolamento social: gosta de desenhar, assistir desenhos, brincar de escola e de boneca. Volta e meia Juli escuta “mãe, vamos dançar juntas?”, o que leva ao play em uma música animada e a momentos especiais juntas.

Na quarentena, Juli e Ceci passaram a ficar assim, mais juntinhas. Foto: Arquivo pessoal.

Com mais tempo ocioso, Ceci já quis provar todas as roupas do armário, tanto as dela quanto as da mãe. Em alguns dias, fica andando pela casa de salto alto, em outros, faz maratona de corrida da porta de entrada do apartamento até a sacada. “O humor dela tem sido uma montanha russa. Percebo que ela repete meu comportamento e reflete muito o que eu estou sentindo”, conta Juli. Porém, a filha também já entendeu que às vezes precisa ficar mais quietinha para a mamãe trabalhar. “Eu respondo um e-mail, vou atender ela, falo com um aluno, vou fazer um mamá, faço outra coisa do trabalho, volto a atender ela, e assim desenvolvo o home office e a maternidade”, complementa.

Apesar disso, menciona o desafio de colocar limite no trabalho em casa, para não acabar trabalhando nos três turnos. Com o objetivo de cuidar de sua saúde mental e liberar a pressão do cotidiano, Juli faz terapia há alguns anos e recentemente tem desenvolvido a meditação, apesar de não conseguir fazer todos os dias. “Eu digo para a Ceci que preciso de 30 minutos para meditar, mas quando passa 10 ela vem me cutucar, só pra dizer que tá brincando”, comenta. 

A família também tem sido um importante alicerce nesse momento, em especial sua mãe e irmã. Conforme Juli, o caminho é não se culpar muito. “O sentimento de culpa só piora as coisas, então estou aprendendo a não me culpar por não estar conseguindo fazer tudo como seria o ideal, pois estou fazendo o que é possível no momento”, conclui.

Em cada endereço, uma nova realidade. Afinal, nem todas as mães puderam adequar-se ao trabalho remoto, em especial às que trabalham no comércio. Andréia Roieski, por exemplo, atua como vendedora em Chapecó-SC e antes da pandemia, seu filho, Gabriel, de três anos, passava o dia no Centro de Educação Infantil Municipal (Ceim). 

Quando foi decretado o fechamento das escolas em razão do novo coronavírus, Gabi passou a ficar na casa de uma babá. Isso, porém, desestabilizou a questão financeira. A nova alternativa foi recorrer às avós, e atualmente, Gabi alterna entre a casa da avó materna e paterna. “Essas mudanças têm deixado ele um pouco confuso. Ele acorda de manhã e pergunta: mãe, onde eu vou hoje?”, conta Andréia.

Além disso, longe do convívio da escola há mais de três meses, a saudade é recorrente. “Tudo que ele aprende de diferente, quer mostrar para os amiguinhos e para a professora”, ressalta a mãe. O lazer também foi afetado, já que um dos passeios preferidos de Gabi era visitar o shopping para divertir-se nos brinquedos. Agora, é preciso explorar a criatividade a fim de evitar o tempo excessivo em frente às telas da televisão e do celular.

A família aproveita os fins de semana para desenvolver atividades e passatempos atrativos com Gabriel. Foto: Arquivo pessoal.

Andréia, que antes ia para casa no intervalo do meio dia, agora destina esse tempo para almoçar com Gabi. A nova rotina intensificou a sobrecarga da mãe, que quando chega do trabalho, no início da noite, se divide entre os afazeres da casa, alimentação da família, atenção ao filho e organizações para o dia seguinte. “Agora todas as tarefas da casa acumulam para a noite, então eu e meu marido colocamos as coisas em ordem enquanto o Gabi brinca, mas a cada pouco ele pede pra gente ir brincar com ele”, ressalta. 

Como em diversos outros momentos, seu maior apoio é o marido, Rafael. Ambos conciliam as demandas do cotidiano com a criação e educação do filho. Práticas de autocuidado, porém, ficam em último plano na vida da mãe. “Acabo não tendo muito tempo para mim mesma. Às vezes vou no quarto fazer uma caminhada de nove minutinhos na esteira, mas metade do tempo o Gabi fica lá comigo”, finaliza.  

A falta de tempo para dedicar-se ao autocuidado, tanto físico quanto psicológico, é uma realidade enfrentada por grande parte das mães. Esse aspecto se intensifica ainda mais quando a família é maior, como é o caso de Tasiane Cembranel Borsatto, mãe de três. Empresária à frente de duas empresas em Guaraciaba-SC, Tasi é mãe do Jean, de onze anos, da Geovanna, de oito, e da Joanna, de dois.

A chegada surpresa de Joanna, em 2017, realizou o sonho de Tasi de ter três filhos. Foto: Arquivo pessoal.

A rotina, que antes era bem regulada, virou de pernas para o ar com o cancelamento das aulas das crianças. Jean, que cursa o sexto ano, e Geovanna, que está no segundo ano, iam para a escola na cidade vizinha, São Miguel do Oeste-SC. No 5º dia após o fechamento das escolas, as atividades remotas já começaram a chegar, e desde então, além de todas as funções que Tasi já exercia, passou também a acompanhar e auxiliar nos estudos dos filhos. “Juntos, já desenvolvemos maquetes, robôs, pinturas, pesquisas, atividades que envolvem gravações e no geral, todas demandam muito tempo”, relata.

Depois de algumas semanas começaram as aulas online. Jean participa das videoconferências de manhã e Geovanna à tarde. Apesar disso, a frequência de envio das atividades é cada vez maior. “Tem dias que a gente não sabe por onde começar. Quando não damos conta de fazer à noite, eu fico em casa de manhã ou à tarde para colocar tudo em dia e entregar as atividades deles dentro do prazo”, comenta. “Mas quando falho meio dia no serviço para ajudar eles nos estudos, acumulam minhas funções no trabalho, então minha mesa fica lotada de coisas para fazer”, complementa.

Além de todos os impasses para adaptar as crianças aos estudos remotos, outro fator torna o dia a dia mais complexo: o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade. Jean recebeu o diagnóstico com um ano de idade e desde os seis anos toma três medicamentos por dia, além de remédios naturais e acompanhamento psicológico. Para gastar seu acúmulo de energia, Jean frequentava aulas de inglês e karatê. Agora, ficar em distanciamento social tem sido tortuoso. “Ele é muito ativo, então estar apenas dentro de casa por tanto tempo é muito difícil. Alguns dias são mais tranquilos, em outros ele fica bem nervoso e impaciente que quase sobe pelas paredes”, explica. 

A caçula, Joanna, também passou a receber algumas atividades da creche. Entretanto, com a correria do cotidiano, Tasi não consegue dar atenção devida a essa demanda. “Infelizmente, tive que optar por abrir mão das atividades da Joanna para ajudar os mais velhos”, conta. Ela e o marido, Rodimar, se dividem para atender os três filhos: enquanto a mãe ajuda nos estudos, o pai dá atenção e brinca com a menor. Vez ou outra conseguem reunir-se para jogar um jogo ou assistir filmes. “Esses dias estávamos todos tão estressados que saímos dar uma volta no interior, fizemos uma rota e ficamos umas duas horas passeando para espairecer um pouco”, conta. 

Apesar de ter auxílio de uma empregada doméstica com os afazeres da casa e de sua mãe, Ivone, com as crianças, o acúmulo de tarefas é rotineiro. “Desde que as aulas presenciais pararam, em março, não tive um fim de semana livre”, ressalta Tasi. Em meio às responsabilidades de mãe, empresária, dona de casa, e agora professora, não tem conseguido destinar tempo para o cuidado consigo mesma e sua saúde mental e emocional. “Não tenho muito onde me apoiar, tem que encarar ou encarar”, finaliza. Afinal, é disso que se trata a maternidade, com todas as realidades que ela pode abranger: encarar os momentos desafiadores e desfrutar de todo amor envolvido.

 


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