Por:  Amanda Ferronato e  Maria Joana Weber Giareton

Professora responsável: Angélica Luersen 

A Antropologia explica que o gênero feminino é considerado frágil, porque isso está enraizado na cultura humana e passa de geração para geração. Entretanto, você vai conhecer a história de uma mulher que desconhece a fragilidade e faz dos desafios, uma conquista

A época retrógrada de mulher pilotar o fogão chegou ao fim. A partir da conjuntura feminina do século XXI, notamos diariamente que não estão mais dispostas a aceitar modelos pré-definidos ou estereótipos criados em torno delas. Com autonomia e resistência elas trilham uma luta diária contra preconceitos criados pela cultura machista. As panelas não servem mais, elas buscam liberdade para conquistar espaços e direitos, foi assim que Natalina Oliveira Utzig trocou o fogão pelo ônibus.

Natural de São José do Cedro (SC), Natalina, ou Natália como é chamada por seus colegas de trabalho, sempre trabalhou em empresas de transporte. Em tom descontraído relata que prefere dirigir um ônibus a um carro, “parece ser bem mais fácil”. Além da simpatia é visível em sua face a determinação que carrega. Talvez seja essa a engrenagem que encoraja Natalina a desafiar-se a ser uma das poucas, mas valentes, mulheres que deixaram-se cativar pela profissão de motorista do transporte coletivo.

Há 10 anos quando mudou-se para Chapecó (SC) começou a trabalhar em uma das empresas de transporte coletivo do município. Foi nesse momento de sua vida que foi pegando o gosto pela direção. Natalina passou por alguns setores dentro da empresa antes de assumir de vez o volante, entre eles a função de cobradora, onde matinha um contato mais direto com o ônibus. Quando surgiu a oportunidade de fazer os testes para ser motorista, ela ressalta que “agradeci a Deus, primeiro lugar pra mim é Deus, depois correr atrás dos objetivos que a gente quer”. Ela não só agradeceu a Deus, como engatou a embreagem do sucesso na função que desempenha há um ano.

A rotina da motorista começa no silêncio e no vazio do ônibus (Foto: Amanda Ferronato)

A rotina da motorista começa no silêncio e no vazio do ônibus. A partir desse momento o ônibus recebe centenas de rostos e vozes novas, é nesse ambiente que ela gosta de exercer sua função de motorista (Foto: Amanda Ferronato)

Além de Natalina, outras três mulheres trabalham na empresa de transporte coletivo, que conforme o gerente Osmir Rodrigues Da Silva, apesar de não diferenciarem o trabalho prestado por mulheres e homens, são poucos os currículos recebidos. “Desde que ela tenha a carteira e os requisitos necessários, ela tem a mesma qualidade que os homens, porém são poucos currículos de mulheres que nós recebemos”. O gerente ainda destaca o serviço prestado por Natalina e suas colegas “ a gente faz questão de contratar porque elas tem mais facilidade de lidar com o público, tem mais cuidado com o ônibus, e em muitos momentos ela exerce muito bem a função”. E foi com essa facilidade de lidar com o público, que Natalina chamou atenção de uma colega de trabalho, por sua autonomia e persistência. “Teve um dia que o ônibus dela não estava no mesmo local de parada no terminal e a Natália percebeu que os passageiros que todos os dias estão no ônibus dela não perceberam a chegada do ônibus. E então ela saiu na porta e gritou “SAIC” e todos correram em direção ao ônibus. Foi uma coisa que me marcou muito, porque demonstrou como ela se preocupa com os usuários do transporte”.

O instinto vem de casa, aos 45 anos de idade e mãe de quatro filhos, Natalina vê em sua família o apoio fundamental para seguir na profissão, “cada um tem seu sonho, falaram que se era isso que eu queria tinha que seguir em frente”. A opção por ser motorista não mudou a sua rotina com os afazeres de casa, pelo contrário, ela é mais uma das muitas mulheres protagonistas que desconstroem os padrões de que mulher é sexo frágil e devem dedicar-se ao lar.

Natalina dedicou-se muito para atuar como motorista de transporte coletivo, realizou um curso específico de direção de veículos, proporcionado pela empresa, e também passou pela experiência de manobras, lavação, aulas práticas e teóricas, mas nem todas a cativaram tanto como o volante. “De todos os serviços, o de motorista foi o que eu me identifiquei mais. Eu gosto daquela adrenalina na rua, a agitação, eu sou uma pessoa calma, eu gosto do agito”. Assim como Natalina, qualquer pessoa interessada em dirigir o transporte coletivo de Chapecó, precisa passar por esses processos de aprendizado, conforme exemplifica o gerente da empresa Osmir. “A empresa oportuniza ao trabalhador para ele crescer aqui dentro e exercer outras funções. Agora, se for motorista profissional e que já tenha a carteira D ou E, já exerça a função e comprove os dois anos de carteira com veículo pesado, não precisa passar por esses processos, vai passar por um período de experiência de apenas 3 meses, faz todos os exames médicos exigidos, testes psicológicos, conversa com o gerente e depois já entra pra escala”.

A vaidade é um apetrecho de Natalina, mas enquanto dirige ela está focada no trânsito e no cuidado diária com os passageiros (Foto: Amanda Ferronato)

Um dos empecilhos que dificulta a adesão de mulheres nessa profissão é o preconceito sofrido pelo gênero. Após ser aprovada como motorista ela chegou a pensar em desistir, não pela rua, mas pelos próprios colegas, “tem muito colega ali que se ele pudesse me derrubar, ele me derrubava”. Ao contrário do que muitos achavam, Natalina não desanimou, a prova disso é o trabalho diário onde luta pelo fim da dominação de um gênero sobre outro, e acima de tudo por direitos iguais.

Natalina relata que a cada dez homens, dois tem preconceito,“quando estamos dirigindo precisamos prestar atenção nos passageiros que estão esperando, e percebe-se que eles falam frases como: – não, com mulher eu não vou”. O mais angustiante é que essa realidade não é a que mais choca, a cada dez mulheres, seis tem preconceito por ser uma motorista do sexo feminino. Quando desempenhava a função de cobradora ela também sentia o preconceito presente. Entretanto, esses momentos não a desanimam, pelo contrário, “não dou bola para essas coisas, temos que correr atrás do que queremos”, acrescenta.

Acompanhamos o trabalho de Natalina por uma manhã e notamos que a relação que mantém com os passageiros é harmoniosa. Em muitos casos observamos que ela construiu laços de amizades com passageiros que utilizam essa mesma linha todos os dias. Alguns optam por se sentar antes da catraca e poder conversar com a motorista, que nos informou que já aconselhou muitas mulheres a seguirem nessa profissão. A empresa relatou que já aconteceu algumas reclamações referentes a ter passado por uma parada sem parar ou por falha na campainha, mas isso acontece no início, quando está se adaptando a função e muitas vezes nem por sua culpa. Quando questionamos a motorista sobre algum problema no dia a dia ela responde com convicção: “sempre tenho algum passageiro que me defende, eu sempre agradeço a Deus por isso, por que eu não preciso brigar com ninguém”, diz Natalina.

Usuário diário do transporte coletivo, o estudante Rafael Willian Senger além de se sentir seguro com uma mulher no volante ele fica feliz “não apenas pelo fato de ser mulher, mas justamente de ver que a mulher está ganhando espaço onde antes só os homens dominavam”. As mulheres enfrentam com grandeza o mito machista de que a profissão motorista está associada ao sexo masculino. Mesmo com passos curtos notamos a sua presença nessa profissão e quanto é significativa a conquista desse espaço. “Pra mim isso é muito importante pra gente conseguir evoluir o feminismo inclusive, diminuir nosso preconceito totalmente machista” conclui Rafael.

Ilustração: Alexandre Pappen

Ilustração: Alexandre Pappen

PRÓXIMA PARADA: MEUS DIREITOS

A luta árdua pela igualdade e diretos no trabalho é travada desde 1970 na história do feminismo. Teve se um avanço representativo nesse período de tempo, porém sabe-se que essa luta acontece todos os dias. É fundamental dessa maneira o suporte de órgãos municipais que representam a categoria dos motoristas. O respeito pelos profissionais é fundamental, entretanto a qualidade e bem estar da saúde do trabalho é essencial para o desempenho da profissão.

Para o presidente do Sindicato dos Condutores de Veículos e Trabalhadores nas Empresas de Transporte Coletivo Urbano e Transporte Intermunicipal de Passageiros (SITTRACOL) de Chapecó que representa os motoristas, Valdir Sanzovo, a profissão de motorista ainda é vista como masculina pelo fato que a maior dos funcionários que trabalham nessa profissão é homens. Todavia, ele acredita necessário fazer campanhas para as mulheres aderirem à profissão, “elas também tem cautela para exercer e executar muito bem”.

Os números comprovam o olhar de Valdir sobre a profissão (Infográfico abaixo), o total de mulheres motoristas representam apenas 2,4% do total de motoristas nessa linha de transporte. Dessa forma para cada 41 motoristas homens temos 1 motorista mulher, um número baixo se comparado ao número de habitantes em Chapecó.

Além da inserção da figura feminina no transporte coletivo, as mulheres estão conquistando espaços no transporte escolar e de turismo no município. Assim como foi há décadas, elas continuam ocupando lugares que deveriam ser seus naturalmente, e não impostos perante uma cultura conservadora e de aparências. Afinal, lugar de mulher deve ser aonde ela quiser, seja no lar, no transporte ou governando o país.

TIRA O PÉ DO FREIO

O sonho de ver paradigmas machistas quebrados ainda é uma constante, a luta não é só das mulheres, a luta é de todos. As conquistas são recentes, mas há muito para se conquistar, as mulheres lutaram no passado e lutam no presente. Não há nenhum oito de março que cicatrize a dor do desprezo, do racismo, do machismo, do estupro, mas a data é necessária para que todos se lembrem da luta por condições de vida e de trabalho.

Esse esforço vale para todas e Natalina é um exemplo a ser seguido, não apenas pelo desempenho no trabalho, mas pela valentia que deposita no volante todos os dias. Os bons resultados são frutos positivos, e conforme o gerente, Osmir Rodrigues, a empresa é fã do trabalho desenvolvido pelas funcionárias, “das nossas funcionárias temos bom resultados, elas são muito esforçadas, batalhadoras e tem desempenhado muito bem a função delas”. Ele acredita que as mulheres têm condições para desempenhar essa ou qualquer outra função, com a mesma qualidade ou até mais que a de um motorista homem.  “Somos fãs de mulheres que são determinadas e guerreiras a ponto de pegar um ônibus”, acrescenta.

Motivada por trabalhar com o que gosta, ela brinca ao falar, “se eu parar eu fico doente, faz mais de 25 anos nessa correria”.  Os olhos em baixo das lentes do óculos brilham ao falar que gostaria de ver outras mulheres aderindo a profissão, “eu gostaria de incentivar mais mulheres, ter mais mulheres para ajudar” diz Natalina. Ela não se deixa abater nem mesmo quando os próprios colegas torcem contra, é batalhadora, movida por um sentimento de fé e de esperança ela acredita que é preciso correr atrás dos sonhos, “primeiro por que Deus é mais, e segundo por que eu quero, eu posso, eu consigo”.

Quando falamos em planos futuros ela já anuncia que quer trabalhar até quando puder, mesmo aposentada continuará fazendo alguma coisa, para ela a vida não tem freio. A história de Natalina é um dos milhares de exemplos de como as mulheres estão adentrando em todas as profissões e atropelando o preconceito e as formas de machismo. O estudante Rafael compactua com isso e acredita que “o fato delas estarem aderindo essa profissão mostra que estamos tendo um avanço, e que as mulheres estão ganhando espaço”.

            Se for preciso que a história seja escrita na contramão, afinal, “tudo vai de Deus, às vezes você faz um plano, mas Deus tem outro”, afirma Natalina. Sinal verde para o empoderamento das mulheres motoristas.