Por: Andrieli Severo

Professora Responsável: Ilka Goldschmidt

Engana-se quem associa os danos causados pelo fumo exclusivamente à saúde dos fumantes. Antes disso, na hora do cultivo, a nicotina e os agrotóxicos misturam-se ao suor de quem tira da produção de fumo o seu sustento. Conforme dados da Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil), referentes ao ano de 2015, 153.730 propriedades cultivam o fumo na região Sul do país. Nelas, é possível encontrar relatos de problemas de saúde associados à fumicultura. Não é preciso ir longe para ouvir exemplos. Afinal, é nas pequenas propriedades – tão presentes no Oeste de Santa Catarina – que mais se realiza o cultivo do tabaco.

Ivanete Secchi. Reside em Linha Cambucica, interior de Riqueza. Agricultora, 39 anos. Há nove trabalha com plantio de fumo. Muito mais que uma vez, sofreu sintomas como ânsia de vômito, náuseas, tonturas e dor de estômago. Tudo por causa da fumicultura. Atividade que não abandona, pois depende do retorno financeiro proporcionado anualmente.

O caso de Ivanete poderia não ser tão preocupante em um contexto maior, caso fosse isolado. Porém, ela é uma das pessoas que anualmente sofrem intoxicações ao trabalhar com o cultivo do tabaco. Para se ter uma ideia, em um ‘piscar de olhos’, encontramos seisepisódios desta situação nos municípios de Caibi, Palmitos e Riqueza:

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Os sintomas acima são citados, ao mesmo tempo, pelo enfermeiro Eduardo Gasparin, ao abordar os casos mais frequentes de intoxicações atendidos na Unidade de Saúde de Caibi. Ele menciona ainda episódios de alergias, dispneia, hipotensão, arritmia cardíaca, insuficiência respiratória, convulsão e até óbito em casos mais agudos.

Doença da folha verde

As ocorrências descritas pelos agricultores e pelo enfermeiro estão associadas ao que é conhecido por Doença da Folha Verde. A patologia é um tipo de intoxicação aguda causada pela absorção dérmica da nicotina, que afeta, como nos casos acima mencionados, principalmente agricultores que trabalham com a cultura do tabaco.

Penetrando na pele, a nicotina é transportada até os vasos sanguíneos, provocando sintomas passageiros e que variam em intensidade e persistência,­ de acordo com cada indivíduo e o grau de exposição. Para diminuir as chances de ser atingido pela doença, é imprescindível a utilização correta dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Também é indicado o trabalho com roupas secas e o cuidado redobrado ao lidar com o fumo úmido, especialmente na colheita.

Além da nicotina, a presença de agrotóxicos utilizados na produção do tabaco também é prejudicial. Para o enfermeiro Eduardo Gasparin, é preciso levar em conta as patologias que os agrotóxicos podem desenvolver, inclusive o câncer. “Hoje vemos pessoas muito jovens tendo câncer, existe alguma ligação entre essa doença e os agrotóxicos. Pode haver desordens do sistema nervoso, defeitos congênitos, esterilidade masculina, dermatoses e sequelas neurológicas, por isso a importância do EPI”, diz Gasparin.

De com o Engenheiro Agrônomo e de Segurança no Trabalho, acordo Gabriel Temer Feres, as intoxicações descritas pelos fumicultores podem ter seus efeitos minimizados com o correto uso dos EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) durante toda a produção de fumo. Mas aí está o problema, pois uma das principais reclamações dos agricultores é justamente a dificuldade para fazer o uso do EPI.

Aqueles EPIs cozinham a gente”, diz Claudiocir Fachinetto, agricultor residente em Linha Goretti, Palmitos. Luiz Carlos de Moura, de Linha Cambucica, Riqueza, que já trabalhou com o cultivo, compartilha da mesma opinião: “é muito difícil de usar, a gente usava um pouco e não conseguia. Dificilmente os produtores conseguem, é muito calor, atrapalha o trabalho”.

Segundo outro agricultor, que preferiu não se identificar, a compra de EPI é obrigatória pelas empresas fumageiras, mas não há uma fiscalização ou acompanhamento para verificar se o uso está sendo efetivado. “Elas [fumageiras] nos obrigam a comprar. Mas a gente deixa de lado e ninguém vem atrás pra saber se a gente usando. Só fazem isso pra gente gastar dinheiro”, comenta.

Durante qualquer etapa da produção é imprescindível o uso de EPI. (Foto: Susana Zuffo)

Durante qualquer etapa da produção é imprescindível o uso de EPI. (Foto: Susana Zuffo)

Problemas ocorrem desde a época do plantio. (Foto: Susana Zuffo)

Problemas ocorrem desde a época do plantio. (Foto: Susana Zuffo)

Efeitos psicológicos

Além das intoxicações causadas aos produtores e consumidores de tabaco, como a Doença da Folha Verde, há a possibilidade de haver relação entre a fumicultura e doenças psicológicas.

Conforme a psicóloga Cynthia Raquel Ferraboli, não há base científica que comprove o vínculo. No entanto, ela salienta que “muito se fala sobre as doenças provocadas pelo cigarro aos fumantes, mas poucos sabem que ele pode causar problemas de saúde nos agricultores que lidam com a planta no campo”.

Cynthia ressalta que as consequências do contato com a nicotina das folhas do tabaco a longo prazo ainda são desconhecidas: “Existem poucas pesquisas e verdades em relação ao cultivo de fumo, principalmente com relação a saúde psicológica, onde é mais subjetivo. Contudo, venho observando que no período de colheita existe uma procura maior pelo serviço de psicologia, principalmente com queixas de episódio depressivo”.

De acordo com a psicóloga, “cogita-se a relação de problemas de aprendizagem – entre eles, deficiências, problemas na linguagem e cognitivo – com o cultivo de fumo, pois concomitante a expansão desse cultivo, ocorre o aumento desses problemas na rede escolar”.

A psicóloga relaciona o contexto regional da produção de fumo e sua vivência profissional, considerando que o cultivo de tabaco prejudica a saúde psicológica dos produtores: “Sabe-se que a indústria de tabaco é a que mais cresce em relação à plantação de fumo, pois a rentabilidade e garantia de venda fazem o agricultor se manter no cultivo. Existe para mim, não apenas a relação e causa e efeito do cultivo, uso de agrotóxicos, mas também a pressão psicológica durante todo o período de plantio, colheita e venda”, frisa.

Dependência financeira

Em contraponto aos danos causados à saúde dos produtores, a dependência financeira de muitos deles faz com que não desistam da atividade. Geralmente, eles residem em pequenas propriedades, que não possuem estrutura – e até mesmo qualidade de solo – suficiente para produzir outras culturas.

Dados da Afubra revelam que 64,6% das famílias que produzem fumo no Sul do Brasil localizam-se em propriedades com até 10 hectares. O tamanho médio dos minifúndios é de 15,3 hectares, comprovando a relação de dependência com uma atividade que necessita de pouco espaço para ser produzida, como é o caso da fumicultura.

Em média, ainda conforme a Afubra, no Sul são produzidos 2.257 kg de tabaco em cada hectare. Considerando que o valor pago em 2014/15 foi de 7,23 R$/kg, o faturamento bruto pode chegar a R$ 81.590,55 em cinco hectares plantados durante o ano.

Alguns desistem

Na safra 2014/15, segundo relatório da Afubra, 153.730 famílias produziram fumo na região Sul do Brasil. Os dados sinalizam uma redução de 8.680, se comparados à safra de 2013/2014, quando o total era de 162.410.

Mas o que resultou nesta diminuição tão grande em ­somente um ano? Para Leonardo Gallon, Técnico Agrícola que há oito anos trabalha com orientações técnicas aos fumicultores no Extremo-Oeste catarinense, a redução aconteceu – e continua acontecendo – devido à falta de mão de obra nas propriedades.

Conforme ele, o êxodo rural está aumentando e as famílias que antes eram grandes, hoje já não possuem pessoas o suficiente para auxiliarem na produção. “O produtor colhe o fumo, principalmente, com a mão-de obra familiar. […] No Extremo-Oeste de Santa Catarina, temos propriedades com dois ou três membros da família, então as pessoas acabam deixando de plantar pela falta de mão-de-obra”.

No entanto, não é esta a razão citada pelo ex-fumicultor Luiz Carlos de Moura. Há 10 anos, ele e sua família não trabalham mais com a fumicultura. Motivo: problemas de saúde causados pelas intoxicações. “Parei de trabalhar com fumo por causa da minha saúde. Por enquanto, melhorei depois que parei de realizar o plantio”, comenta.

A fumicultura é uma atividade que não requer grandes espaços e não necessita de boas terras para dar certo. Tendo a mão-de-obra humana como principal ferramenta, pode chegar a espaços físicos inviáveis para cultivo de outros produtos. O plantio de fumo é considerado benéfico ao ser analisado economicamente, pois o retorno financeiro é praticamente garantido.
No entanto, um fator está se tornando motivo de preocupação para os profissionais que dependem da atividade: os problemas de saúde. Não raro, são encontrados agricultores que desistiram – ou pensam em desistir – do cultivo por apresentarem sintomas desencadeados por patologias como a Doença da Folha Verde. Quem continua na atividade, por sua vez, enfrenta a dependência financeira, tendo que abrir mão da própria saúde para garantir o sustento de sua família.