Entre horários e itinerários: os rumos do transporte coletivo de Chapecó

Entre horários e itinerários: os rumos do transporte coletivo de Chapecó

Repórter: Laura Fiori
Colaboração: Alessandra Dias, Anelize Iltchenco, Angela Bueno, Briann Ziarescki, Christopher Marin, Fernanda Hinning, Francisco Lund Jr, Jaine Rodrigues, Julia de Araujo, Júlia Maria Appi, Luana Poletto, Mirella Schuch, Rafael Chiamenti, Stefania Martinelli e Stefanny Velasques
Supervisão: Eliane Taffarel (jornalista responsável), Ilka Goldschmidt e Ana Paula Bourscheid (coordenadoras da Acin Jornalismo)

No dia 26 de maio de 2019 foi assinado o contrato da nova licitação do transporte coletivo urbano de Chapecó (SC). A partir deste dia, a Auto Viação Chapecó é a responsável pelo transporte coletivo da cidade, e assim deve permanecer por 20 anos, sem permissão para prorrogação. A empresa tem o prazo de 180 dias para dar início ao que está previsto no edital, ou seja, tem até o dia 26 de novembro para se estabelecer na cidade. 

Até o dia 29 de dezembro de 2018, a Auto Viação Chapecó e a Transporte e Turismo Tiquin eram as duas empresas responsáveis pelo transporte coletivo urbano da cidade. Sendo ambas responsáveis, respectivamente, por 80% e 20% das linhas de Chapecó. A partir de então, a Auto Viação assumiu todos os itinerários do transporte durante o período de assinatura do contrato, já que a Transporte e Turismo Tiquin não concorreu ao edital.

Esta nova licitação traz uma série de mudanças para o transporte coletivo de Chapecó que, de acordo com dados da Auto Viação, no último trimestre de 2019 (abril, maio e junho), foi utilizado por 1.139.000 (um milhão, cento e trinta e nove mil) passageiros. Mas, antes de pensarmos no futuro, vamos falar sobre alguns dos problemas enfrentados pelos usuários do transporte nos últimos anos. 

Bloqueados

O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) convocou uma assembleia em março de 2019 para tratar sobre as constantes reclamações dos estudantes quanto ao serviço prestado pela Auto Viação Chapecó, concessionária detentora do transporte coletivo da cidade.

No dia 25 de fevereiro, o primeiro dia do ano letivo de 2019, o transporte previsto para o último horário da noite não apareceu na universidade. O estudante do curso de Ciências Sociais da UFFS, Dionatan Martins, foi um dos estudantes prejudicados pela falta do ônibus. 

“Lembro que esperamos muito, acredito que até 23h15, mas o horário da lotação era às 22h45. Ao ver que o ônibus não viria para cumprir o horário, procuramos no Campus algum servidor que pudesse nos ajudar, mas como era tarde, só havia os seguranças. Foi quando decidimos ir juntos até o ponto da Aurora”, relata.

O ponto de ônibus mais próximo à universidade fica a 3,1 Km, em frente ao Frigorífico Aurora Alimentos, no bairro Efapi. Este percurso feito andando, pode levar até 41 minutos para ser percorrido. 

 

Distância entre a Universidade Federal da Fronteira Sul e o abrigo de passageiros mais próximo

“Ao chegarmos na metade do caminho, conseguimos contato com o irmão de uma amiga que nos deu carona até um ponto de ônibus no bairro Efapi para que pudéssemos voltar para nossas casas”, conta o estudante.

Segundo Dionatan, o transporte não ter aparecido não foi uma surpresa para ele. “Na UFFS, a Auto Viação é vista como uma empresa que não tem compromisso algum com a prestação de serviço de qualidade. (…) Não foi uma grande surpresa porque a gente sai de casa já pensando no sufoco que vai enfrentar no ônibus, ficamos indignados com o que estava acontecendo”, afirma.

O membro da Comissão de Transportes do DCE, Michel Artur Schmoeller, acredita que os estudantes precisam trazer suas demandas para que as diferentes realidades sejam discutidas. “Cada um têm sua vivência e sua especificidade e, é interessante trazê-las para tentar fazer a conversa com a empresa, no mínimo. Se não der certo com a empresa, a gente faz com a prefeitura para poder, pelo menos, ter uma qualidade de vida para o estudante da Universidade Federal”, declara.

 

Michel Schmoeller é membro da Comissão de Transportes do Diretório Central dos Estudantes da UFFS e estudante do curso de Matemática. Foto: Mirella Schuch

De acordo com Michel, dentre as principais reivindicações dos estudantes estão os horários de ônibus escassos. Segundo dados concedidos pela Auto Viação, são 50 viagens de ida até a Universidade Federal em dias letivos para os 3.688 estudantes que utilizam o transporte coletivo.

O cartão de estudante também é um dos motivos das reclamações dos alunos, já que ele é bloqueado mesmo nos sábados com aula. De acordo com o diretor de negócios da Auto Viação, João Carlos Scopel Filho, a concessionária cede uma porcentagem maior de passes com desconto para que o estudante realize atividades extracurriculares. No entanto, ao ser questionado a respeito das aulas aos sábados, João afirma que é uma obrigação da universidade informar sobre o calendário letivo. 

 

 

De acordo com Michel, a UFFS promoveu reuniões junto a concessionária. Porém, apesar de algumas conquistas quanto aos horários do transporte, esses direitos ainda não são garantidos. Ele conta que, quanto aos passes de estudante aos sábados, a Auto Viação alega que é necessário passar por um decreto da prefeitura. “A gente tem que comprovar, tem todo um trâmite burocrático e a empresa alega que é porque o decreto da prefeitura diz que só é aula de segunda a sexta”, salienta. 

De acordo com a secretária de Mobilidade Urbana de Chapecó, Luciane Stobe, o decreto citado por Michel é o 16.048, que trata do cartão para estudantes no artigo 29: “A validade do cartão estudante é dada em função da atualização do respectivo cadastro e do período letivo da instituição de ensino em que estiver matriculado, ficando assegurado ao estudante titular do cartão, o direito de ser reembolsado, pelo valor monetário existente no cartão, que não tenha sido usado até a data de validade do mesmo”. 

Porém, este artigo apontado pela secretária não explica as questões levantadas por Michel, mas trata do uso diário do cartão, que necessita de atualização dos dados da instituição no período letivo.

Ainda de acordo com a secretária, 40% do crédito do cartão pode ser utilizado para atividades extracurriculares, ou seja, fora do horário letivo. De acordo com Luciane, o conceito do passe de estudante está sendo discutido. “Para o novo contrato a gente já prevê algumas alterações. Por exemplo, para que o passe de estudante seja passe de estudante, independente do dia da semana. Seja simplesmente vale transporte para estudante, e isso vem com o novo contrato”, afirma.

Michel conta que atos para a reivindicação dos direitos dos estudantes estão sendo organizados junto a acadêmicos de outras universidades.

 

 

Além da UFFS, estudantes de outras universidades também possuem reclamações quanto a Auto Viação. A estudante do curso de Medicina Veterinária da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó, Francine Mantelli Kunst, também já teve o cartão de estudante bloqueado aos sábados. Ela utiliza as linhas Vila Real e Tomazelli para ir até a universidade. Por conta disso, precisa fazer a integração, ou seja, fazer uso de dois ônibus seguidos. Devido ao bloqueio do cartão no sábado, Francine precisa pagar a tarifa normal do transporte, o que no fim do dia totaliza R$ 13,00 gastos pela estudante. 

 

Francine utiliza quatro ônibus por dia para ir até a Unochapecó. Foto: Julia de Araujo

De acordo com ela, ao conversar com a Auto Viação, a empresa disse ser necessária apenas a apresentação do comprovante de que o estudante tem aula em determinado sábado. Porém, Francine muitas vezes tem conhecimento do dia letivo pouco tempo antes. “Eu não tenho aula todos os sábados. Por exemplo, hoje meu professor marcou uma prova para o próximo sábado. Não tem como eu ir lá só pra levar o comprovante”, explica.

De acordo com dados disponibilizados pela Auto Viação, 4.768 acadêmicos da Unochapecó utilizam o cartão de estudante. Ainda segundo a concessionária, são 85 viagens diárias de ônibus da linha exclusiva direcionada a Unochapecó.

E além de Chapecó?

 

Valores das passagens normais e de estudante em cidades do Sul do país. Crédito: Briann Ziarescki

 

Na cidade de Chapecó, o cartão de estudante pode ser utilizado quatro vezes por dia. Na capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, o passe de estudante pode ser usado nos feriados e finais de semana, mesmo sem aula. No período de férias, o cartão pode ser usado caso o estudante não tenha utilizado todo o crédito do passe. Porém, não pode recarregar o cartão antes do início do ano letivo. Nesta cidade, são disponibilizados 50 passes mensais aos estudantes, mas não há limite para o uso diário. No caso da integração, ela pode ser utilizada no uso máximo de dois ônibus. Caso haja uma terceira integração, o valor é cobrado novamente. 

Na cidade de Curitiba, capital do Paraná, o máximo de passes disponibilizados por cartão é de 200 passagens. Porém, apesar do uso diário, nesta capital são disponibilizados apenas dois passes de estudante por dia.

A capital catarinense, Florianópolis, permite o uso do passe de segunda a sábado e durante o período de férias. Nesta cidade, o uso de passes durante o dia é ilimitado. Há cada 30 dias, os estudantes podem recarregar seus cartões. O valor máximo de recarga é de R$ 400,00. Ainda no litoral de Santa Catarina, em Balneário Camboriú, são dois passes de estudante disponibilizados por dia. Nos finais de semana, o cartão não pode ser utilizado. 

Na cidade de Blumenau, o passe de estudante tem o uso diário ilimitado, sendo liberado de segunda a sábado. Durante o mês, os estudantes podem recarregar o cartão com 50 passes. Assim como em Porto Alegre, nesta cidade, durante o período de férias o passe estudante pode ser usado caso ainda haja crédito no cartão.

Em Joinville, o valor normal é de R$ 4,80 quando pago no momento do embarque e apenas alunos do primeiro ao nono ano de escolas públicas recebem o desconto de 20% da tarifa. Nesta cidade, o cartão de estudante pode ser utilizado nos finais de semana. Nas férias, o passe pode ser usado caso ainda haja saldo no período de recesso, só podendo ser feita a recarga no retorno das aulas.

Visão dos usuários

Em Chapecó, além do bloqueio do passe, outra dificuldade encontrada no transporte coletivo é a acessibilidade. O acadêmico do curso de Jornalismo da Unochapecó, Willian Martins, conta que o transporte coletivo da cidade sempre foi uma dificuldade para ele. Willian é cadeirante e utiliza o transporte todos os dias para ir ao trabalho e à universidade. De acordo com o estudante, os horários são sempre um problema, principalmente na volta para casa. 

Outra dificuldade apontada por ele é o funcionamento da plataforma elevatória. “Tem ônibus que não funciona. Esses dias eu fiquei até meia noite no ponto pra vir um ônibus que funcionava, passaram três e não funcionou. Eu já reclamei com a empresa, já tomei todas as providências e de nada adianta”, afirma. 

 

Willian relata que apesar das reclamações, os elevadores de acesso para cadeirantes ainda apresentam problemas. Foto: Briann Ziarescki

Mas a acessibilidade para cadeirantes vai além do elevador de acesso, como também o espaço e a segurança no veículo. Atualmente, o ônibus regular possui apenas um lugar para cadeirante, o que impossibilita que mais de uma pessoa utilize o transporte. 

Membro da Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência, Maria de Lurdes Oliveira, já ficou no corredor do ônibus e teve a cadeira motorizada quebrada por conta disso. “O motorista colocou a cadeira no corredor, aí a lotação andou muito rápido e a cadeira entrou para debaixo do braço do banco do ônibus”, relata. 

 

Após o incidente com a cadeira de rodas motorizada, Maria precisa utilizar uma cadeira simples que ela mesma não consegue mover, por ser muito pesada. Foto: Stefania Martinelli

Quando se trata da falta de espaço, os demais usuários do transporte coletivo de Chapecó também apresentam queixa quanto a superlotação no ônibus. De acordo com o diretor de negócios da Auto Viação, João Carlos Scopel Filho, o transporte coletivo de Chapecó é lotado apenas em alguns momentos do dia. João compara os ônibus da concessionária aos metrôs de outros países, como China e Estados Unidos. Segundo ele, Chapecó não vive a realidade de pessoas “amassadas” no transporte coletivo. 

 

 

Inclusive, de acordo com João, o transporte é subutilizado. “Se você pegar um ônibus às 15h ele é obrigado a rodar de 15 em 15 minutos ou 5 em 5 na linha Tomazelli. Nós temos hoje 80% do tempo que os ônibus rodam, eles rodam com população inferior a 5 pessoas pagantes”, afirma.

Porém, de acordo com o arquiteto e urbanista e professor da UFFS, Alexandre Matiello, a superlotação é uma realidade para os passageiros de Chapecó que tem como destino locais com grande fluxo de pessoas, como a Unochapecó e a BRF – Brasil Foods, que ficam localizadas no Efapi. Segundo estimativa da prefeitura este é o maior bairro de Chapecó com a população aproximada de 70 mil moradores. Ficam localizadas na região ainda, a Universidade Federal da Fronteira Sul e a Aurora Alimentos.

“Os ônibus acabam passando muito lotados. São muitas as queixas das pessoas que estão nesse percurso que não conseguem embarcar porque ele já sai cheio do terminal”, afirma. Para Matiello, a construção dos novos terminais urbanos – na Avenida São Pedro e no bairro Efapi – prevista no Plano de Mobilidade Urbana de Chapecó e no novo edital de licitação, facilitará o fluxo dos ônibus na cidade.

A estudante do curso de Pedagogia da Unochapecó, Melody Rodrigues, utiliza o transporte todos os dias para ir até a universidade. De acordo com ela, a superlotação é uma realidade, já que precisa se programar antes de sair de casa para utilizar o transporte com um número menor de usuários. 

 

 

Os problemas do transporte coletivo também são percebidos nos pontos de ônibus. A usuária e moradora do bairro Efapi, Elizane Antunes, conta que o abrigo próximo da casa dela não possui assento, apenas um coberto que mal protege do sol ou da chuva. “Nos horários de pico tem bastante gente no ponto, tem que se amontoar todo mundo e ficar junto. Nos dias de chuva, todo mundo se molha”, afirma.

Adenilce Castelo Barros, do bairro Santo Antônio, também relata a má conservação dos abrigos de passageiros. “Os pontos são super mal conservados, tem só uma cobertura para identificar que é uma parada. Tem certos horários que o sol pega. Em dias de chuva, se ficar lá esperando, pode ter certeza que molha”, conta. Os mesmos problemas são enfrentados por Miriam Kelly da Silva Riva, do bairro Passo dos Fortes; Maria Eduarda de Oliveira, do Universitário; e Francisco Cardoso, do Bela Vista.

 

Abrigo de passageiros no bairro Efapi. Foto: Eliane Taffarel

Seguras?

A Lei do Programa Parada Segura entrou em vigor na cidade de Chapecó em novembro de 2017. O programa visa reduzir as possibilidades de assalto e violência através do desembarque em locais considerados de risco para mulheres que utilizam o transporte coletivo. Esse direito pode ser acionado entre às 22h e 6h de segunda a sábado e 21h às 6h em domingos e feriados, sendo respeitado o percurso já estabelecido nas linhas do transporte. 

Porém, apesar de ser uma lei, a Parada Segura não é uma regra na concessionária Auto Viação. De acordo com o diretor, João Scopel Filho, não houve orientação da prefeitura para que a empresa desse início ao que consta na lei. Por conta disso, João afirma que a empresa foi orientada por seus advogados a não executar a Parada Segura. Questionado sobre reclamações caso não haja a execução da lei, ele diz que a passageira pode reclamar, mas que a lei não é uma questão regulamentada.

 

 

Ao ser questionada a respeito da orientação dada a Auto Viação sobre a Parada Segura, a secretária de Mobilidade Urbana de Chapecó, Luciane Stobe, afirma que esta foi realizada por meio da divulgação do Programa, que a lei é obrigatória e deve ser seguida.

 

 

De acordo com Luciane, é obrigação da empresa seguir a legislação e orientar os motoristas para o cumprimento da lei. 

 

Adesivo disponibilizado nos ônibus da Auto Viação informa quanto ao funcionamento da Lei da Parada Segura. Foto: Eliane Taffarel

Elizane Antunes, de 39 anos, utiliza a linha Tomazelli para voltar para casa, no bairro Efapi. Ela conta que no tempo em que trabalhou durante a madrugada, tentou utilizar a Parada Segura por diversas vezes, mas de acordo com ela, não teve o pedido atendido. “É difícil o motorista aceitar parar e te deixar perto de casa, é muito difícil. (…) Os motoristas disseram que não estavam sabendo dessa lei. Aí eu tinha que parar longe de casa, como eu sempre fazia”, ressalta.

A estudante Melody Rodrigues faz uso da Parada Segura, pois mora em uma área considerada de risco durante a noite. Para ela, a parada funciona, mas apenas se houver insistência. Ela conta que percebe o desconhecimento da lei, tanto por parte dos motoristas que aparentam não ter orientação, quanto das mulheres. Segundo Melody, uma maior divulgação para a população é necessária para que todas que necessitam desta lei possam utilizá-la quando precisarem.

 

Para Melody a falta de conhecimento das questões ligadas a Parada Segura é um problema recorrente. Foto: Fernanda Hinning

“Se as mulheres soubessem, elas poderiam ter até mais acesso à cidade. Um dos pontos mais legais da Lei, que eu acho, é garantir o acesso da mulher na cidade. Poder sair tranquila porque tu sabe que vai chegar em casa tranquila, porque tem uma lei que te assegura parar um pouco mais perto da sua casa, que pode evitar de acontecer algum tipo de violência”, finaliza.

Qualidade: além do ônibus

Quando falamos em Mobilidade Urbana, o Plano desenvolvido para Chapecó tem como objetivo que o transporte coletivo seja a primeira opção para o deslocamento dos cidadãos por ser um meio mais barato e sustentável. Mas, afinal, o que é Mobilidade Urbana?

A Mobilidade Urbana é um conceito fundamentado na Lei Federal nº 12.587 de três de janeiro de 2012, que prevê a “integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do Município”. De acordo com o membro do Conselho Municipal da Cidade de Chapecó (Concidade), Licério de Oliveira, a mobilidade urbana é dividida em modais que definem desde meios de transporte motorizados, como o automóvel e o ônibus, e não motorizados, como a bicicleta. 

Segundo Licério, dentre todos os modais de mobilidade, o que deve ser considerado como a primeira opção da população é o transporte coletivo. No entanto, para o conselheiro, o modal mais utilizado em Chapecó ainda é o automóvel. 

Construído com base no que estabelece o Plano de Mobilidade Urbana da cidade, surgiu o novo contrato de licitação para o transporte coletivo de Chapecó, assinado no final de maio de 2019. Esta licitação consiste em requisitos que devem ser cumpridos para que uma concessionária (uma só empresa) ou um consórcio (mais de uma empresa) seja detentora do transporte coletivo da cidade.

De acordo com Licério, o fato de apenas uma empresa ser detentora do transporte coletivo não é um problema, desde que o município assuma suas responsabilidades e dê acesso às informações para a sociedade. Além disso, segundo ele, as pessoas precisam desejar participar do processo de fiscalização e sugestão de melhorias para o transporte. “A concessão pública é sempre monopólio ou oligopólio, mas o mais importante desse processo é saber se o poder concedente tem o controle e o poder político de fazer valer as regras, ou não”, afirma.

Para o arquiteto e urbanista e professor da UFFS, Alexandre Matiello, ter mais de uma concessionária no domínio do transporte coletivo é uma forma de estabelecer uma concorrência positiva. De acordo com ele, embora as empresas não fizessem as mesmas linhas, ainda assim, era um modo de estabelecer uma comparação para a população. Segundo Matiello, apesar da sociedade cobrar melhorias no transporte, é de responsabilidade do poder público que o serviço realizado seja feito com qualidade, independente de que haja uma ou duas empresas. 

“Embora muitas vezes acreditem que a concessão não dê muito lucro, ela é um setor muito lucrativo. A gente tem que estar sempre acompanhando do ponto de vista da transparência, como é gerada a tarifa, levando em conta todos os fatores que são considerados, como a depreciação da frota, a necessidade de renovação dela e os custos de manutenção. Não adianta ter um transporte coletivo caro que não ofereça qualidade”, frisa o professor.

Matiello ressalta que qualidade não abrange apenas o veículo, mas todo um sistema. Para ele, a falta de qualidade serve para desestimular as pessoas quanto ao uso do transporte coletivo, quando este deveria ser a primeira opção na cidade. “A mobilidade urbana se tornaria mais fácil se todo mundo deixasse seu automóvel ou motocicleta em casa e optasse pelo ônibus”, destaca. 

Obras sem fim

Quando se trata das ações planejadas a partir da assinatura do contrato de licitação, cada atividade depende da conclusão de uma ação anterior, o que implica na falta de prazos para a execução das atividades.

A nova licitação é dividida em duas etapas. De acordo com a secretária de Mobilidade Urbana de Chapecó, Luciane Stobe, a primeira etapa, que está sendo realizada neste momento, consiste no período em que a empresa vencedora do contrato irá se estabelecer como a concessionária detentora do transporte coletivo. Serve como um processo de adaptação aos horários e itinerários antes executados pela empresa que deixou de oferecer seus serviços. Em seguida, de acordo com Luciane, a concessionária vencedora do contrato deve apresentar um projeto executivo e a prefeitura precisa disponibilizar o recurso necessário para que a segunda etapa seja colocada em prática.

Esta segunda etapa prevê a construção de um terminal urbano na Avenida São Pedro e outro no bairro Efapi. Segundo Luciane, para que as construções sejam realizadas, é preciso que o sistema binário seja efetivado. Neste sistema, a Avenida Fernando Machado e a Avenida Nereu Ramos funcionarão como vias de mão única, tendo uma via destinada ao uso exclusivo dos ônibus, com o objetivo de deixar o tráfego mais rápido.

 

O terminal urbano “Prefeito João Destri”, fica localizado entre as avenidas Getúlio Vargas e Nereu Ramos, no centro da cidade. Foto: Mirella Schuch

De acordo com Luciane, com os terminais construídos o modelo atual do transporte receberá algumas modificações. Até o momento, o sistema envolve 23 linhas de ônibus regulares e um porta a porta – linha que passa nas residências de pessoas com deficiência -, totalizando 24 linhas. Segundo a secretária, é na segunda etapa que surgem as linhas troncais, em que ônibus maiores irão circular sem paradas de um terminal ao outro. Dos terminais, ônibus menores terão como destino os bairros da cidade. Para Luciane, o objetivo é gerar maior agilidade ao transporte com um número menor de ônibus em circulação.

Na nova licitação, cujo o contrato foi assinado no dia 26 de maio de 2019, apenas a Auto Viação Chapecó concorreu e ofereceu o valor de outorga de R$ 5.710.618,00 (Cinco milhões, setecentos e dez mil, seiscentos e dezoito reais). Dentre os requisitos para que houvesse um vencedor, estava o valor mínimo de R$ 5.610.618,00 (Cinco milhões, seiscentos e dez mil, seiscentos e dezoito reais) de outorga, que é o valor pago por uma empresa à prefeitura quando a primeira deseja realizar um projeto que seria de responsabilidade da segunda. 

O valor da outorga deve ser utilizado pela prefeitura para a construção dos novos terminais urbanos previstos no Plano de Mobilidade Urbana. Além disso, o valor deve cobrir a construção e reforma dos abrigos de passageiros. A Prefeitura Municipal enviou para a Câmara de Vereadores o projeto de lei 107/2019 que “Dispõe sobre a padronização dos abrigos de passageiros de ônibus no Município de Chapecó”. O texto está em análise nas comissões antes de ser votado em Plenário pelos vereadores. Em anexo ao projeto estão imagens dos abrigos de passageiros que devem ser construídos na cidade.

Modelo de abrigo de passageiros previsto para implantação em Chapecó. Imagem: Anexo projeto de lei 107/2019

A construção dos terminais, por sua vez, de acordo com Luciane Stobe, envolve outras questões como a substituição gradual da frota de ônibus com piso alto (quando há escada e plataforma elevatória) para o ônibus de piso baixo (sem escada e plataforma elevatória). 

Porém, para que este sistema seja implantado, de acordo com Luciane, é preciso que primeiro seja feito um novo projeto de asfaltamento para que os ônibus de piso baixo possam circular sem problemas. Por conta dessa necessidade, a possibilidade de implantação, segundo ela, é para daqui 10 anos. “Nós já estamos com cautela, o município não faz mais lombada em corredor de ônibus, preparando já o terreno para receber os ônibus piso baixo. (…) Então a gente deixou flexibilizado no contrato para aqueles trajetos que o ônibus precisa fazer e que talvez a gente precise encaminhar projeto de asfaltamento, remodelar a pista para garantir que o sistema funcione”, conta. 

Com a nova licitação, os dados referentes ao transporte coletivo que antes eram entregues em relatórios físicos, passam a ser disponibilizados através de um sistema que transmite as informações simultaneamente e, por conta disso, não pode ter os dados manipulados. “A partir do novo processo nós vamos acompanhar toda vez que o ônibus passar pelo leitor. O sistema vai me dizer quantos pagaram passagem, quantos eram idosos e usaram gratuidade, quantos eram deficientes e quantos eram os estudantes”, ressalta Luciane.

Com o prazo de 180 dias, qualquer irregularidade cometida pela Auto Viação pode acarretar em penalidades para a empresa. Luciane Stobe explica que geralmente ocorre a aplicação de multa em casos de descumprimento do que consta no contrato. Contudo, em casos de grandes irregularidades, o cancelamento da concessão do transporte público é a medida tomada.

Dentre as possíveis irregularidades está a idade máxima para a circulação dos ônibus. O veículo pode ter no máximo 10 anos de uso individual e em uma soma da idade de todos os ônibus dividida pelo número de veículos da frota, deve totalizar a média de quatro anos e meio. Segundo Luciane, neste período de 180 dias de transição, foi estabelecida uma tolerância para que os ônibus com mais de 10 anos pudessem circular enquanto a Auto Viação estiver em processo de compra dos novos veículos. Depois desse período, caso haja um ônibus de 2008 em circulação, por exemplo, a empresa estaria descumprindo o que diz o novo contrato.

Outra questão que deve ser observada após os 180 dias de tolerância são os espaços para cadeirantes no transporte, já que de acordo com Luciane, é possível adaptar os ônibus para que estes possuam dois lugares disponíveis. Segundo ela, essa questão entrará em vigência com o novo contrato.

 

 

E depois?

Segundo a secretária Luciane Stobe, quando se trata da reestruturação do Plano de Mobilidade, o bairro Efapi é uma das regiões levadas em consideração. No entanto, de acordo com ela, a maior necessidade de mobilidade ainda é no centro da cidade. “As pessoas querem estar no centro e a gente vê isso quando tem feriados e elas se concentram na região central”, afirma.

Para ela, com o surgimento de polos de desenvolvimento como as universidades e agroindústrias, é preciso sentir as reivindicações da comunidade através de conselhos como o Concidade e a partir disso, pensar os impactos dessas necessidades. “Eles têm que apresentar um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV). Se o estabelecimento der um impacto significativo no trânsito, eu tenho que pensar como vai ser a via de acesso e a sinalização. É feito um controle, inclusive até para a própria comunidade quando participa pelos seus conselheiros”, finaliza Luciane.

De acordo com o professor Alexandre Matiello, a mobilidade urbana de Chapecó ainda é muito concentrada na área central da cidade. Para ele, depois da implantação do atual plano previsto, é necessário se pensar para além do centro como por exemplo, o contorno viário de Chapecó, que liga a Avenida Leopoldo Sander ao Aeroporto Serafim Enoss Bertaso. 

Para ele, implantar um itinerário nessa região poderia evitar o uso contínuo de linhas que passam pelo centro da cidade e desta forma, tornar o trânsito mais fluido. “Por exemplo, linhas que vão para o Quedas do Palmital, para o próprio Palmital, Santo Antônio, que poderiam saindo dessa região ali, chegar com mais facilidade”, acrescenta. 

O que os usuários esperam

Quando se trata da nova licitação, alguns cidadãos têm poucas informações sobre os rumos do transporte coletivo após os 180 dias de adaptação da concessionária. Como Elizane Antunes, moradora do bairro Efapi. “Na verdade, a única coisa que eu soube é que eles iam colocar mais ônibus e a melhoria dos pontos de ônibus. Mas até agora eu não vi nada de diferente”, afirma.

Após conhecer mais sobre o futuro do transporte coletivo em Chapecó, ela vê de forma positiva a construção de um terminal no bairro em que vive, já que sua principal reclamação quanto ao transporte são os atrasos nos horários dos ônibus. “Nas horas de pico eu acho que tem muito pouco ônibus. Quando eu trabalhava de madrugada, principalmente, passava muito pouco. Pra gente que é mulher é difícil, fica ruim estar lá sozinha esperando. Mas nos outros horários eu acho que está bom, só nos momentos de pico mesmo que é uma burocracia, muita gente”, relata.

 

Elizane conhece pouco sobre a nova licitação do transporte coletivo. Foto: Mirella Schuch

Para Elizane, o fato de uma única empresa ser detentora do transporte coletivo por 20 anos não é um problema. “Na verdade, se ele cumprir tudo que ele prometeu, pode ser positivo. Mas a gente tem que esperar para ver o que acontece”, conclui. 

A usuária do transporte, Sonia Regert da Assumpção, de 61 anos, não sabia sobre a nova licitação. Ao tomar conhecimento de algumas informações, ela avaliou como positiva a construção dos novos terminais urbanos. “Eu apoio, porque é só aqui (centro da cidade), que tem. Nos outros bairros tem gente que precisa e é tão ruim tu ter que pegar muitos ônibus. Assim já ficaria bem melhor”, explana.

 

Para Sonia, apenas uma concessionária é suficiente para o transporte coletivo de Chapecó. Foto: Mirella Schuch

Sonia também avalia como positivo o fato de que apenas a Auto Viação é agora responsável pelo transporte coletivo de Chapecó. “Pra mim, está bom. Eu acho que é suficiente porque eles tem bastante ônibus. É uma empresa grande, eles dão conta”, afirma.

Adenilce Castelo Barros é da cidade de São Luís, capital do estado do Maranhão. Ela se mudou para Chapecó no mês de março de 2019, quando passou a utilizar o transporte coletivo da cidade. Para ela, os ônibus da Auto Viação são bem conservados, porém, ela vê como um problema os atrasos nos horários do transporte. 

Segundo Adenilce, a construção dos novos terminais é positiva, mas o fato de apenas uma empresa ser detentora do transporte é vista de forma negativa. “Olha, eu só tenho a dizer que se for pra ficar tinha que melhorar bastante, ter mais ônibus, entendeu? Às vezes a gente quer ir para algum lugar e o ônibus passa em determinado horário, você fica esperando, não passa e as pessoas se atrasam para seus compromissos. Acho que sim, que deveria ficar (a empresa), mas pelo menos melhorar. Não tenho nada contra a empresa, mas se tivesse concorrência seria muito melhor, mas como não tem, se for pra ela ficar mais 20 anos, melhorando para os usuários tá ótimo”, ressalta.

 

Adenilce, que veio do Maranhão, encontra dificuldades com os atrasos dos ônibus. Foto: Mirella Schuch

Sobre o futuro do transporte coletivo para os estudantes, a acadêmica Melody Rodrigues afirma que é necessário um olhar mais humanizado para os usuários do transporte. “Tem um aumento significativo no número de estudantes nas universidades todos os anos. Como essa frota está atendendo esses estudantes? Está socando todo mundo lá no ônibus como se fosse uma lata de sardinha ou está realmente tratando os estudantes como seres humanos? (…) Não basta só mudar a concessionária ou focar só em uma e o serviço continuar sendo de péssima qualidade. Pelo contrário, por ter uma concessionária apenas, as pessoas vão recorrer sempre a aquele lugar e não adianta ficar numa situação cômoda, sabe?”, finaliza.

 

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