Projeto orçado em mais de R$ 430 milhões é visto como solução estratégica para o abastecimento de Chapecó e região, mas enfrenta desconfiança da população e obstáculos técnicos no percurso
Taiane Cristina Lago e Henrique R. Mello
Desde 2021, a Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento) executa uma das maiores obras de infraestrutura hídrica do estado de Santa Catarina: o sistema de captação e distribuição de água do Rio Chapecózinho. Projetado para atender Chapecó, Xanxerê, Xaxim, Bom Jesus e, futuramente, Cordilheira Alta, o empreendimento promete resolver
a histórica crise de abastecimento que afeta principalmente Chapecó, cidade-polo do Oeste catarinense.
A obra, iniciada com orçamento de pouco mais de R$ 100 milhões, hoje ultrapassa os R$ 430 milhões. Apesar do custo elevado, autoridades e técnicos asseguram que os valores são justificados por revisões de projeto, dificuldades no solo e reajustes inflacionários.
Ainda assim, a população se mantém cética. Entre promessas antigas e torneiras secas, cresce o apelo por planejamento eficiente e mais transparência. “Essa obra foi licitada ainda no governo Raimundo Colombo. Já passaram os governos Moisés e agora o Jorginho. Então o orçamento era de mais de dez anos atrás. É natural que o valor aumente”, explica Ivaldo Pizinatto, ex-presidente da comissão da Câmara de Vereadores que acompanhava a obra.
Uma rede de desafios
No coração do projeto, o Rio Chapecózinho, localizado entre Bom Jesus e Xanxerê, serve como fonte de captação da água que, após tratamento, percorre mais de 56 km por adutoras até chegar a Chapecó. O sistema prevê reservatórios em cada município atendido e, segundo a Casan, deve oferecer vazão de até 1.200 litros por segundo — quase o dobro
da capacidade atual do sistema chapecoense.
Apesar do potencial técnico, o caminho da obra foi pedregoso — literalmente. “Entre Xanxerê e Bom Jesus, o solo era de terra vermelha, fácil de escavar. Mas, chegando em Xaxim, tudo vira pedra. Cada avanço exige detonação, autorização da Polícia Federal e muito cuidado com a comunidade”, relata Pizinatto. Segundo a Casan, o projeto precisou ser refeito justamente por essas dificuldades. “Quando começamos a executar, percebemos que o traçado original, que seguia pela BR- 282, era inviável. Imagina instalar uma adutora de 1,20m de diâmetro ao lado da rodovia. Mudamos tudo para o interior, o que aumentou a distância, a complexidade e, claro, o custo”, explica Pery Filho, superintendente da Casan em Chapecó.
Uma promessa que se arrasta
Entre 2021 e 2023, a obra desacelerou. Segundo o representante da Casan, o ritmo foi afetado por mudanças de governo e reavaliações administrativas. “Não foi paralisação, mas o andamento foi mais lento”, explica. Nesse período, a população viu promessas se acumularem enquanto a realidade nas torneiras permanecia crítica.
Moradora do bairro Seminário, a jovem Thaís Vezzaro resume a frustração cotidiana: “Já fiquei dois, três dias sem água. Já tive que sair de casa para tomar banho em outro lugar. O grupo do condomínio vira um caos toda vez que a água falta. “Para Thaís, a falta de comunicação agrava o problema: “Eles mandam avisar que a água vai voltar, mas não volta. Como você se programa assim? Já deixei de trabalhar por isso. Tive que levar roupa para a lavanderia, comprar galão de água… Sai caro viver sem água”.
O que dizem os números
Em março de 2025, a Casan apontava 42% da obra executada. A estação de tratamento de água em Xanxerê estava com 22% da estrutura pronta, o reservatório de 6 milhões de litros no mesmo município chegava a 80%, e a adutora de água tratada estava 66% concluída.
Com previsão de entrega para 2027, técnicos da companhia acreditam que há possibilidade de antecipar a conclusão, caso o ritmo siga acelerado. “Se o cronograma for mantido, o governo pode concluir até 2026”, acredita o ex-líder da comissão de fiscalização, Pizinatto. Há ainda o fator eleitoral: em ano de campanha, obras costumam ganhar impulso.
“A população pode acompanhar tudo pelo site da Casan e pelas notas que publicamos na imprensa. Não há um portal exclusivo, mas a informação está acessível”, destaca o representante da companhia.
Solução ou paliativo?
Apesar do investimento histórico, a obra do Chapecózinho não é considerada, por si só, uma solução definitiva para o problema de abastecimento. “Se houver estiagem severa, como temos enfrentado nos últimos anos, nem essa estrutura dará conta sozinha. Precisamos de mais alternativas”, alerta Pizinatto.
A Casan discorda: “O Chapecózinho é o plano B. A obra foi pensada para garantir uma vazão de 1.200 litros por segundo, mas vamos manter os sistemas atuais. Em caso extremo, estudamos captação de água do Rio Uruguai como plano C”.
Vozes que cobram
Enquanto os relatórios técnicos se empilham, a falta de água nas torneiras continua ditando a rotina de famílias. “Não é só lavar roupa. É tomar banho, fazer comida, trabalhar… Sem água, nada funciona”, desabafa Thaís. Para ela, falta mais que investimentos: falta comunicação. “A Casan responde só quem conhece alguém lá dentro. E o povo que depende? ”
A Casan afirma que trabalha também na redução de perdas. “Chapecó chegou a ter 45% de perdas. Hoje estamos em 38% e queremos chegar a 36%. Cada 1% economizado é mais água reaproveitada.”
Uma obra que precisa recuperar a confiança
O sistema do Chapecózinho representa uma esperança técnica, mas ainda precisa conquistar a confiança de quem mais precisa dele: a população. Depois de anos de promessas e atrasos, os moradores querem mais do que discursos bem embalados — querem torneiras cheias e respostas diretas.
Enquanto os canos continuam sendo assentados, o futuro do abastecimento do Oeste catarinense caminha lentamente sob olhares atentos. Entre a engenharia e a indignação, uma certeza se impõe: água não é luxo, é direito. E já passou da hora de garanti-lo a quem vive no Oeste.
O sistema do Chapecózinho em números
• Captação: Rio Chapecózinho (divisa entre Bom Jesus e Xanxerê)
• Municípios atendidos: Chapecó, Xanxerê, Xaxim, Bom Jesus e Cordilheira Alta
• Adutora de água tratada: 56 km
• Reservatórios previstos:
o Xanxerê: 6 milhões de litros (80% pronto)
o Xaxim: 3,5 milhões de litros (25% pronto)
o Chapecó: previsto para iniciar em 2026
• Investimento total: R$ 434 milhões
• Previsão de entrega: até 2027 (com possibilidade de antecipação)